FOLHETIM | Uma rubrica de Licínia Quitério
BENVINDA – Uma História de Emigração (5º. Episódio)
– Tempo muito bera, senhora, muito bera mesmo. Perdidos no mundo, era como a gente se sentia. O melhor que arranjámos foi um contentor de obras para fazer de casa, muito calor, muito frio ali se passou. O trabalho apareceu, os “chantiers” eram muitos e eles gostavam dos portugueses que trabalhavam bem e refilavam pouco. Moirinhos de trabalho, é o que éramos. Eu arranjei umas senhoras onde fazer a “ménage”, passei a chamar-me Maria, uma Maria como as outras, que para as madames as portugas eram todas Marias. Assim como os gatos que são todos Tarecos, e os cães que são Pilotos, qual é o espanto.
Benvinda falava daquele tempo com os olhos baixos e adivinhava-se-lhe uma dor persistente que a fazia apertar as maxilas com força entre uma frase e outra. No seu tempo presente de ser dona do melhor mini-mercado da aldeia, de exibir cordão e anéis de ouro, de ter o cabelo pintado a tapar as brancas que vieram cedo demais, Benvinda impunha respeito, pela postura altiva, pela resposta pronta, pela escassez de sorriso. Não foi fácil convencê-la a contar-me a sua história sabendo que tentaria pô-la em papel. Foi preciso jurar-lhe que não diria o seu nome verdadeiro, nem os dos seus nem mesmo o da terra. A pouco e pouco, fui percebendo nela uma maior vontade de falar, de me deixar construir uma história em que ela seria a heroína, ela que tanto mundo tinha andado para que a escutassem, que a percebessem, para que tudo tivesse valido a pena, para que ela não fosse mais uma Maria entre tantas, mas a Benvinda, que não sendo o seu verdadeiro nome, seria um nome feito para ela, numa história que eu poderia contar, mas de que ela guardaria capítulos que eu não haveria de saber.
– A senhora que invente, para isso é que é escritora, assim como assim a Benvinda não sou eu.
Já lhe disse que a canalha ficou com a minha mãe que Deus tem, ai que as saudades eram tantas que muitas noites não consegui pregar olho.